O Banco Nacional Tcheco alcançou um marco que pode remodelar como os bancos centrais veem ativos digitais, tornando-se aparentemente o primeiro banco central global a possuir Bitcoin em sua folha de balanço.
A instituição anunciou na quinta-feira que criou uma carteira de teste de $1 milhão, compreendendo um stablecoin em USD e um depósito tokenizado — um passo modesto mas simbolicamente significativo que desafia a ortodoxia bancária central tradicional e o ceticismo das autoridades monetárias europeias em relação à criptomoeda.
A jornada até este momento histórico começou em janeiro de 2025, quando o governador do CNB Aleš Michl propôs pela primeira vez a ideia de investir em Bitcoin. Sua sugestão inicial contemplava alocar até 5% das reservas cambiais de €140 bilhões ($146 bilhões) do banco à criptomoeda — um investimento potencial que ultrapassaria $7 bilhões, representando uma das maiores participações institucionais de Bitcoin do mundo.
"Eu tive a ideia de criar uma carteira de teste em janeiro de 2025", afirmou Michl no anúncio. "O objetivo era testar o bitcoin descentralizado da perspectiva do banco central e avaliar seu papel potencial na diversificação de nossas reservas."
A proposta imediatamente atraiu críticas severas da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, que descartou o Bitcoin como inadequado para reservas de bancos centrais. Falando em uma coletiva de imprensa em 30 de janeiro, Lagarde enfatizou que as reservas devem ser "líquidas, seguras e confiáveis" — características que ela insistiu que o Bitcoin não possuía. Ela acrescentou que estava "confiante de que o bitcoin não entrará nas reservas de nenhum dos bancos centrais do Conselho Geral."
Mas a posição única da República Tcheca como membro da UE que não adotou o euro deu ao seu banco central maior independência das diretivas do BCE. O conselho do CNB aprovou a proposta de Michl em 30 de outubro, optando por uma abordagem piloto cautelosa em vez de um investimento inicial maior.
Um Experimento Calculado
A carteira de teste de $1 milhão representa apenas 0,0007% das reservas totais do CNB — um ponto de partida deliberadamente conservador projetado para minimizar riscos enquanto ganha experiência prática. O banco enfatizou que o valor total investido não será ativamente aumentado, e a aquisição foi feita fora de sua estrutura existente de reservas internacionais.
O programa piloto visa testar processos associados à compra, manutenção e gestão de ativos baseados em blockchain. O CNB planeja compartilhar sua experiência nos próximos dois a três anos, potencialmente fornecendo um plano para outros bancos centrais que consideram movimentos semelhantes.
"O piloto é projetado para dar ao banco central experiência prática com ativos baseados em blockchain, que ele diz que poderia remodelar como pagamentos e sistemas financeiros operam no futuro", afirmou o banco em seu anúncio.
A inclusão de múltiplos tipos de ativos — Bitcoin, uma stablecoin e depósitos tokenizados — reflete uma abordagem abrangente para entender diferentes categorias de ativos digitais e suas aplicações potenciais nas operações bancárias centrais.
Rompendo Com a Convenção Europeia
O movimento tcheco contrasta fortemente com o sentimento prevalecente entre as autoridades monetárias europeias. O banco central da Polônia afirmou que não estava considerando investir em criptomoedas, chamando-as de "uma classe de ativos com risco muito alto." O banco central da Romênia também declarou não ter planos de incluir criptomoedas de forma alguma.
No entanto, Michl enquadrou sua abordagem não como especulação imprudente, mas como adaptação necessária à mudança tecnológica. "O mundo, a economia e o comportamento das pessoas estão mudando constantemente e acho que devemos estar preparados para refletir isso em como pensamos e o que fazemos", ele disse à Bloomberg em fevereiro.
O governador — um ex-estrategista bancário comercial que cofundou um fundo de negociação algorítmica — traz uma perspectiva orientada para investimentos incomum entre banqueiros centrais. "Se você comparar minha posição com outros banqueiros, então sou o que está entrando na selva, ou o pioneiro," ele disse ao Financial Times. "Eu costumava administrar um fundo de investimento, então sou um típico banqueiro de investimentos, eu diria, gosto da rentabilidade."
Impulso Doméstico
A mudança do CNB ocorre em meio a uma adoção crescente de criptomoedas na República Tcheca. De acordo com dados da Anycoin, a maior bolsa de criptomoedas do país, os tchecos trocaram mais de CZK 10 bilhões ($450 milhões) em criptomoedas em 2024 — mais do que o dobro dos volumes de 2022 e 2023.
O país demonstrou políticas mais amplas favoráveis às criptomoedas. Em dezembro de 2024, o parlamento tcheco aprovou por unanimidade uma legislação para isentar das taxas de ganho de capital as participações em Bitcoin por mais de três anos, enviando um claro sinal de apoio à indústria de ativos digitais.
Lucien Bourdon, analista de Bitcoin do fabricante tcheco de carteiras de hardware Trezor, disse ao The Block que se a carteira de teste for bem-sucedida, "essa decisão poderia marcar um ponto de virada — não apenas para a República Tcheca, mas para a adoção global do Bitcoin como uma ferramenta para a estratégia econômica nacional."
Contexto Global
Enquanto a compra do Banco Nacional Tcheco é histórica, ela existe dentro de uma tendência global mais ampla de governos reconsiderando sua postura sobre Bitcoin. Até 2025, 27 países possuem Bitcoin em suas reservas, com 13 introduzindo legislação para formalizar seu status soberano.
A maioria dessas participações, no entanto, decorre de apreensões por aplicação da lei, em vez de compras estratégicas. Os Estados Unidos e a China detêm consideráveis Bitcoins adquiridos por meio de apreensões criminais, enquanto El Salvador continua sendo o único país a ter deliberadamente acumulado reservas de Bitcoin como política nacional, acumulando quase 6.000 BTC agora avaliados em mais de $600 milhões.
O cenário pode mudar drasticamente se os Estados Unidos implementarem a proposta de Donald Trump de uma Reserva Estratégica de Bitcoin. A BITCOIN Act da senadora Cynthia Lummis instruiria o Tesouro dos EUA a comprar um milhão de Bitcoins ao longo de cinco anos — um investimento de $94 bilhões pelos preços atuais.
Analistas do Deutsche Bank prevêem que "há espaço para ouro e Bitcoin coexistirem nas folhas de balanço dos bancos centrais até 2030," impulsionado pela confiança enfraquecida no dólar americano e crescente adoção institucional. O banco observa que a participação do dólar nas reservas globais caiu de 60% para 41% entre 2000 e 2025.
Considerações Finais
A carteira de teste do CNB representa tanto o culminar quanto o início. Ela valida anos de discussão sobre o papel potencial do Bitcoin nas finanças soberanas, enquanto reconhece que as perguntas superam as respostas.
O governador Michl tem sido transparente sobre os riscos. A própria análise do CNB descobriu que, se o banco tivesse mantido 5% de suas reservas em Bitcoin na última década, os retornos anuais teriam aumentado em 3,5 pontos percentuais — mas a volatilidade teria dobrado.
Contudo, o governador argumenta que essa perspectiva reflete uma mentalidade de investidor adequada para navegar em terrenos incertos. Sua disposição para experimentar, mesmo em pequena escala, posiciona a República Tcheca na vanguarda da inovação monetária.
Se essa carteira de teste de $1 milhão marca o início da adoção generalizada de Bitcoin por bancos centrais ou permanece um experimento isolado se tornará mais claro nos próximos anos. Por enquanto, ela serve como prova de que pelo menos um grande banco central acredita que entender o Bitcoin vale o esforço — e potencialmente o risco.
Com o Bitcoin sendo negociado acima de $102.000 e a adoção institucional se acelerando, a compra histórica pelo Banco Nacional Tcheco pode eventualmente ser lembrada não como uma anomalia, mas como o momento em que o banco central entrou em sua era digital.

